Prestes a deixar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente da corte, ministro Marco Aurélio Mello, vê exageros na aplicação da Lei da Ficha Limpa, que barra a candidatura de políticos com condenação por órgãos colegiados, com contas rejeitadas ou que renunciaram ao mandato para escapar da cassação. Na avaliação do ministro, a lei não deveria punir candidatos por renúncia ou condenação anterior à sua criação, em 2010.
“Pensa-se em consertar o Brasil, com ‘c’ e com ‘s’, não de forma prospectiva, mas considerando-se o passado. Ou seja, toda lei é editada para apanhar atos e fatos futuros. Passaram a aplicar a Lei da Ficha Limpa a atos e fatos passados, inclusive não observando decisões da própria Justiça eleitoral”, disse Marco Aurélio, em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
O ministro não conduzirá o processo eleitoral deste ano, quando a lei será aplicada pela segunda vez – a primeira nas eleições gerais. Segundo integrante mais antigo do Supremo Tribunal Federal (STF), onde está desde 1990, ele passará o comando do TSE ao seu colega Dias Toffoli no próximo dia 13. Esta é a terceira passagem de Marco Aurélio pela presidência da Justiça Eleitoral. Em março de 2011, eles deram dois dos seis votos que determinaram à Ficha Limpa não valer para as eleições de 2010. Na ocasião, prevaleceu o entendimento de que as novas regras de inelegibilidade deveriam respeitar o princípio da anualidade, que prevê que leis que alteram o processo eleitoral só passaram a valer um ano após a sua publicação. A Ficha Limpa foi aprovada pelo Congresso em 2010, na forma de projeto de iniciativa popular, com o apoio de mais de 1,5 milhão de assinaturas.
Miopia
Para Marco Aurélio, a atual legislação brasileira é suficiente para que o país tenha um quadro melhor na política. “Não precisamos de novas leis no Brasil, nós precisamos de homens que respeitem as existentes e, principalmente, de homens públicos”, considera. O grande problema, na opinião dele, é a “miopia” e a falta de consciência do eleitor brasileiro. “A sociedade não é vítima. É autora, considerados os maus políticos que temos. Foi ela que os colocou nos cargos”, critica. “O eleitor se deixa levar por aspectos que, às vezes, são apenas de fachada. Não busca saber a vida pregressa administrativa do candidato”, acrescenta.
Como superar esse quadro? Na visão de Marco Aurélio, há apenas uma saída: investimento maciço em educação. Uma tarefa que, reconhece ele, demandará anos para produzir efeitos. “Não podemos, de um dia para o outro, tornar o Brasil uma Suécia. Mas precisamos avançar, cuidar da educação do povo brasileiro.”
Sem justiçamentos
Crítico da prerrogativa que garante a parlamentares e outras autoridades federais serem investigados e julgados apenas no Supremo, Marco Aurélio defende que os congressistas se submetam, como qualquer cidadão, às instâncias inferiores da Justiça. O ministro acredita que o STF tem pouco a fazer para acelerar o julgamento de deputados e senadores, porque o tribunal tem outras demandas e precisa respeitar o direito de defesa dos acusados.
“Na esfera criminal, nós não podemos partir para o justiçamento. Então vamos construir um paredão na Praça dos Três Poderes e fuzilar quem tenha claudicado na arte de proceder na vida gregária. O processo tem de ser construído, há uma legislação a ser respeitada e que encerra o direito de defesa, que é um direito constitucional. Não dá pra levar de cambulhada. Não dá para partir para o justiçamento.”
Na conversa, Marco Aurélio critica a campanha antecipada dos políticos. Afirma que os adversários não se denunciam porque todo mundo faz. E o Ministério Público chega a ser omisso. “O Ministério Público Eleitoral, às vezes, não atua. Deveria atuar.”
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