terça-feira, 15 de março de 2011

Desinteresse favorece eleição de herdeiro político

O desinteresse do brasileiro em geral pela política é o principal motivo da escassez de novas lideranças no Congresso e o predomínio de herdeiros políticos entre os parlamentares mais jovens. Essa é a avaliação do cientista político José Luciano Dias e do diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz.

Para José Luciano Dias, o perfil dos deputados mais jovens revelado pelo Congresso em Foco confirma uma tendência registrada nas mais diversas profissões: alcança o sucesso mais cedo quem tem um suporte familiar que lhe facilite o acesso. “Isso seria ruim se fosse resultado de monopólio, como era na República Velha, quando o cara herdava a cadeira do pai. Isso é resultado de uma ‘especialização familiar’, que também ocorre em áreas como direito e medicina”, considera.
Na avaliação do cientista político, além da herança de votos e da facilidade de acesso a recursos de campanha, quem vem de família de políticos tende a desenvolver precocemente certas habilidades fundamentais para o exercício da função pública.

“A política exige o comando de certas habilidades, como retórica, capacidade de comunicação, visibilidade política e reputação, que nascem com o indivíduo. Elas são desenvolvidas. Você tem de dominar esses conhecimentos. Muitas vezes isso é tratado como se fosse privilégio. As pessoas não se interessam por política no Brasil, é uma sociedade com baixa taxa de participação. Essas técnicas ficam mais visíveis para as famílias que estão há mais tempo no poder”, observa.

Já o diretor de Documentação do Diap classifica como negativo o “arrefecimento” no surgimento de lideranças vindas dos movimentos estudantil e sindical. Na avaliação dele, isso explica por que cada vez menos jovens egressos desses meios alcançam um cargo público de projeção nacional.

“Essa tendência havia mudado nas legislaturas anteriores. Há um déficit de formação de quadros para exercício de liderança política num futuro próximo. Se só as famílias estão fornecendo quadros para ocupação de cargo político, significa que a sociedade está pouco organizada e preocupada com essa formação de novos quadros”, diz Antônio Augusto.

Para ele, outros dois fatores também contribuem para o desencanto dos jovens com a política: a cobertura política pela imprensa e a dificuldade dos partidos de esquerda e centro-esquerda de formarem novas lideranças desde o início do primeiro governo Lula.

“Em vez de mobilizar a sociedade, determinadas denúncias imobilizam, dão sensação de impunidade. Isso não educa, não conscientiza, não chama a atenção para os avanços, não orienta no sentido de levar a mudanças culturais, comportamentais. Com isso, as pessoas são desaconselhadas a concorrer. Fica um terreno muito fértil para a continuidade”, acredita.

“O PT e os partidos de esquerda sempre forjaram muitos quadros. Mas, por terem ido para o governo, deixaram em segundo plano a substituição desses nomes. Não havia uma nova geração preparada. Esse vácuo vai ter de ser preenchido”, acrescenta.

José Luciano Dias acredita que essa desmobilização no movimento sindical é inevitável e está longe de ser exclusividade nacional. Para o cientista político, dois “baques” ajudam a explicar a falta de novos quadros egressos do movimento estudantil: a queda do muro de Berlim, no final dos anos 1980, e o governo Lula. “O movimento estudantil no Brasil era de alto conteúdo ideológico. Mas acabou. Hoje é uma geléia clientelista. O conteúdo ideológico morreu porque as esquerdas revolucionárias morreram e o governo Lula aderiu e deixou de ser de esquerda”, critica.

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