quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

"CASOS DE POLÍCIA"

Hoje um amigo me relatou que foi intimado para comparecer em uma delegacia de Policia Civil e lá chegando para a sua surpresa foi informado o motivo da intimação. “Teria batido um carro estacionado e se evadido do local”, ocorre que em nenhum momento o veiculo em questão esteve no local outrora alegado pelo proprietário do carro batido e nem mesmo havia se envolvido em qualquer tipo de acidente de trânsito.

Ante o exposto passei a analisar primeiro o código penal e de pronto afastei a hipótese do crime de DANO, pois segundo a doutrina e a jurisprudência, não existe DANO na modalidade culposa, salvo algumas exceções que não é o caso, senão vejamos:

1- Do conceito

A maioria dos crimes ou delitos possui uma característica em comum, ou seja, o fato de significarem dano à vítima. A expressão pressupõe uma perda ou diminuição de um bem jurídico, ainda que momentaneamente. Na lição de Heleno Fragoso, "dano é a alteração prejudicial de um bem; a destruição ou diminuição de um bem; o sacrifício ou restrição de um interesse jurídico" (Lições de direito penal: a nova parte geral, 1985, p. 173).

2- Do Dano

Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

3. Da Objetividade jurídica

Cuida-se da proteção ou tutela de bens alheios públicos ou particulares, móveis ou imóveis, no sentido de preservação de suas qualidades intrínsecas e integridade material, no todo ou em parte. Não se exige no tipo o escopo de obtenção de vantagem econômica.

4. Da Natureza jurídica

Sem embargo de alguma divergência, o delito de dano constitui crime comum, pois não exige condição especial do sujeito ativo; unissubjetivo, por sua compatibilidade com a conduta de um só agente; de dano (sentido genérico), em termos de efetiva lesão aos direitos inerentes à propriedade da coisa; doloso, por força do art. 18, parágrafo único, do Código Penal; material, no sentido de exigir para a consumação a efetiva destruição, inutilização ou deterioração da coisa alheia; instantâneo, ao coincidir a consumação – sem se protrair no tempo – com a referida destruição, inutilização ou deterioração.

6. Do Tipo objetivo

A coisa, móvel ou imóvel, pública ou particular, é tutelada em sua materialidade física. E a destruição, inutilização ou deterioração constitui o resultado de uma conduta livre, entrelaçada pelo vínculo de causalidade.

7. Do Tipo subjetivo

Unanimidade na doutrina: o dano só existe na forma dolosa (CP, art. 163 c/c art. 18, parágrafo único). Fora do Código Penal, todavia, a lei admite a culpa em sentido estrito. Por exemplo: no Código Penal Militar, em certos bens de maior importância ou relevo (art. 266); e em vários tipos da Lei sobre Meio Ambiente (parágrafos únicos dos arts. 38, 39 e 49, entre outros). Esse último dispositivo traduz, aliás, um visível exagero, pois incrimina o dano culposo de "plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia".

No Código Penal, como vimos, o crime de dano somente é compatível com o dolo, direto ou eventual. Mas o tema comporta uma nova indagação: basta a consciência e vontade de danificar coisa alheia? Em outras palavras: há necessidade do clássico "dolo específico", ou seja, intenção ou fim de causar prejuízo?

Nélson Hungria optou pela segunda alternativa: "É necessário o concomitante propósito de prejudicar o proprietário"

DA JURISPRUDÊNCIA:

STJ. Quinta Turma. "O crime de dano exige, para sua configuração, animus nocendi, ou seja, a vontade deliberada de causar prejuízo patrimonial a outrem (HC 97.678/ MS. Relatora: Min. Laurita Vaz. Data do julgamento: 17/06/2008).

STJ. Sexta Turma. "Para a configuração do crime de dano, imprescindível o animus nocendi, ou seja, o dolo específico de causar prejuízo ao dono da coisa" (HC 48.284/MS Relator: Min. Hélio Quaglia Barbosa. Data do julgamento: 21/02/2006).


Após afastar a hipótese do crime de dano, passei a analisar o código de trânsito (Lei. 9503/97) e lá encontrei o artigo 305 que versa sobre o caso em epigrafe, senão vejamos:

Do crime previsto no art. 305, do Código de Trânsito Brasileiro:

“Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”

Pena: Detenção de 6 meses a 1 ano.

A interpretação do texto legal acima nos permite inferir que o legislador teve por objetivo, ao tipificar tal conduta, obrigar os condutores de veículos a permanecerem no local do evento, facilitando a atuação da polícia em apurar possível responsabilidade civil ou criminal do agente causador de violação de um bem jurídico tutelado, dando maior rigor à punição dos crimes cometidos ao volante.

Neste contexto, tal determinação contraria princípios basilares do direito, solidificados no nosso texto constitucional vigente e na doutrina e jurisprudência pátrias, como o de que o acusado não é obrigado a produzir provas contra si, sendo-lhe ainda assegurado o direito ao silêncio, permitindo-se até mesmo emprestar aos fatos sua própria versão faltando com a verdade, pelo que não se admite que tenha o dever de permanecer no local e assumir a autoria do delito.

A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, em seu art. 8º, declara:

“(...) Ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo, a declarar contra si mesmo, ou seja, a auto-incriminar-se”.

Compete ao Estado, através de medidas eficazes no âmbito da Administração Pública, utilizando-se dos órgãos de repressão e prevenção ao crime, apurar o cometimento de delitos praticados no território nacional apontando seus respectivos responsáveis, e não se utilizando de expedientes normativos absolutamente inconstitucionais, pois, a prevalecer tal norma, cabe ao Judiciário obstar a sua efetiva aplicação.

Sobre o assunto, discorreu com brilhantismo o ilustre jurista Luiz Flavio Gomes:

"Cuida-se de dispositivo incriminador extremamente contestável. Que todos temos a obrigação moral de ficar no local do acidente que provocamos não existe a menor dúvida. Mas a questão é a seguinte: pode a obrigação moral converter-se em obrigação penal?"

No mesmo sentido, Damásio E. de Jesus ensina:

"A lei pode exigir que, no campo penal, o sujeito faça prova contra ele mesmo, permanecendo no local do acidente? Como diz Ariosvaldo de Campos Pires, 'a proposição incriminadora é constitucionalmente duvidosa' (Parecer sobre o Projeto de Lei n. 73/94, que instituiu o CT, oferecido ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, 23-7-1996). Cometido um homicídio doloso, o sujeito não tem a obrigação de permanecer no local. Como exigir essa conduta num crime de trânsito? De observar o art. 8º, II, g, do Pacto de São José: ninguém tem o dever de auto-incriminar-se".

Também já se manifestou o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, acolhendo incidente de inconstitucionalidade:

“Ementa: Incidente de inconstitucionalidade - Reserva de plenário - Art. 305, do Código de Trânsito Brasileiro - Incompatibilidade com o direito fundamental ao silêncio - Inconstitucionalidade declarada”.

Transcrevo, ainda, o parecer o Procurador Geral de Justiça, citado no voto do ilustre Desembargador Roney de Oliveira, quando do julgamento do incidente de inconstitucionalidade, cuja ementa acima citei:

"(...) a responsabilidade civil ou criminal do indivíduo que causa um acidente de trânsito não depende de sua não evasão do local. O fim da norma incriminadora em pauta é perfeitamente alcançável através da aplicação da lei civil (que atribua ao agente responsabilidade pela reparação dos danos que tiver causado) e da lei penal (que descreva como crime a conduta praticada pelo agente envolvido no acidente de trânsito) sem que seja necessária a incriminação da fuga do local. O bem jurídico protegido é alcançável pela simples aplicação destas outras normas, que tornam o agente civil ou criminalmente responsável."

Nesse sentido, por acolher o entendimento doutrinário e jurisprudencial acima exposto, tenho que a conduta tipificada no art. 305, do Código de Trânsito Brasileiro é inconstitucional, pelo que ABSOLVO o acusado quanto a este crime, com fulcro no art. 386, III do Código de Processo Penal

Vejamos o que nos diz o artigo 386, III do CPP:

“o Juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça” I- Não constituir o fato infração penal.

O que me chamou a atenção nesse caso foi que um flanelinha teria relatado ao proprietário do carro a placa do veiculo que teria ocasionado a “batida” no veiculo que estava estacionado. Vejam, ficamos somente na suposição o que pode ser afastado ante a pericias e depoimentos contundentes até se chegar a autoria certa e materialidade.

O certo é que se trata de crime de menor potencial ofensivo, ou seja, se a autoridade resolver realizar o procedimento, deverá ser feito um T.C.O, mesmo assim, muito difícil se comprovar a autoria do delito, até por que o condutor inclusive levou o seu veiculo até a delegacia para de pronto dirimir as duvidas. O Resto permita-me ficar calado, pois pode ocasionar problemas qualquer tipo de comentário meu aqui.

Fui...

Um comentário:

  1. Escrivão Andrey... permita-me trata-lo de Dr. nesse instante.
    Sinceramente ficamos expostos a certos "caprichos" e sem sombra de dúvidas seus esclarecimentos jurídicos no caso comentado comprovam infelizmente a má fé de alguns servidores publicos. E, o que não se pode duvidar em hipótese alguma foi da boa fé de todos os envolvidos por parte do intimado.
    Ocorre que, ao chegarmos naquela Depol nos deparamos com a cusação graciosa do proprietário do veiculo supostamente atingido,(Um Tenente Bombeiro), que no momento em que comprovado por ele próprio a falta de provas e inconsistência da acusação, afastou-se de forma covarde do local onde encontrava-se todas as partes e como num passe de mágica " sumiu "... Como se nada importasse e que o fato de termos declarado perante a autoridade policial a negativa do conhecimento do supoto "acidente".
    O que eu questiono agora, é: Onde está o crime nesse caso? Quem foi testemunha ocular? Por que tem que ser periciado só o carro dos manés de São miguel do Guamá? Cadê o carro do Bombeiro?
    Por ele nos deixou falando só? e, por fim a pergunta que não quer calar: Se não houve vítima pq tudo isso é stá acontecendo?


    Há! Na verdade a ultima pergunta é esta: Onde fica a Corregedoria?

    Um abraço do Rubão ( Um dos manés envolvidos no "caso")

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